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Magia Ibérica no Sála

Num jantar exclusivo em Lisboa, serviu -se pele de moreia, olhos de corvina e lampreia grelhada, entre outras preciosidades. O fine dining também pode ser isto.

Tenho a sorte de comer muitas coisas surpreendentes ou deliciosas. Mas pratos que sejam, ao mesmo tempo, surpreendentes e deliciosos, isso é raro. 

Ora, aconteceu sábado, no restaurante Sàla. Na cozinha, estavam  o chef andaluz Edu Pérez, do restaurante Tohqa, em El Puerto de Santa Maria, e o anfitrião, João Sá, chef do restaurante Sàla, em Lisboa. 

A reunião surgiu no âmbito do ciclo de jantares Compass, que já levou ao restaurante do Campo das Cebolas João Oliveira, do Vista, o Michelin na Praia da Rocha.

Edu Pérez, nomeado para chef revelação de Espanha, no âmbito do festival Madrid Fusion, é mestre do fogo e orgulhoso herdeiro das influências do Al-Ándalus.

O jantar ficou marcado por dois pratos, em particular, nenhum deles interessante do ponto de vista gráfico, mas fantásticos no que mais interessa: sabor.

A primeiro a ser servido foram uns cuscos, massinhas de trigo rústicas tradicionais em Trás-os-Montes, herdadas dos árabes, com berbigão fumado e limão de conserva. A base aparecia coberta por uma espuma misteriosa.


Mal levei a colher à boca, a primeira sensação foi táctil, as bolinhas de cuscos elásticas e escorregadias, confundindo-se com os berbigões, tudo envolto num creme sedoso. Depois, então, apareceu o marisco e o fumo e a massa trigueira — e eu desferi uma rajada de “foda-se” (mudos).

Veio depois, então, o prato de cabeça de corvina, com as peças isoladas. A imagem era desoladora e monocromática, invocando o imaginário de uma autópsia.

Cada corte da carne da cabeça, terá merecido tratamento de fogo dedicado, incluindo o palato (céu da boca, magnífico!), mandíbula e o olho do peixe, este servido à parte com caviar. A ligar tudo, uma aguinha que era, afinal, um elixir do paraíso.

Que grande prato!

Ao longo do serão, houve também grandes vinhos e outros momentos culinários altos, como a pele de moreia crocante com manteiga cítrica e a lampreia assada; ou os espargos brancos com fermento de padeiro e ovas de sável raladas. 

Mas aqueles dois pratos permanecerão na minha cabeça por muito tempo. 

O entusiasmo da clientela foi tal que João Sá decidiu, logo ali, que os cuscos, inicialmente criados apenas para o evento, iriam entrar para a carta do Sàla. 

Quanto à cabeça de peixe, um prato icónico de Edu Pérez, é provável que não se repita tão cedo. O chef espanhol deixou de o servir no seu restaurante de El Puerto de Santa Maria. “Só se me pagarem 150€ por ele”, brincou.

Segundo Miguel Abalroado, gastrónomo e fundador da agência Lemon Zest, com dedo no evento e responsável por trazer alguns dos vinhos, o prato exigiu uma preparação complexa e envolveu a compra de 16 cabeças de corvina. 

No final, os chefs vieram à mesa para uma ovação de pé. Bem merecida.

*O Homem que Comia Tudo tem por regra pagar as refeições sobre as quais escreve, salvo em eventos muito fortuitos para o qual é convidado. Foi o caso deste. De acordo com estudos empíricos que o próprio OHQCT levou a cabo, comer e beber à borla pode retirar alguma objectividade às pessoas.

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