Uma das tragédias da pandemia é o fim dos balcões. Não há imposições legais específicas para isso, mas há limites.
Um dos meus balcões favoritos em Lisboa é o do Senhor Uva, um micro restaurante de cozinha botânica e vinhos de intervenção mínima, colado ao Jardim da Estrela.
Infelizmente, fui lá ontem e confirma-se. O balcão está suspenso. Felizmente, constata-se também o seguinte: a sua cozinha continua maravilhosa.
À frente da casa está um jovem casal canadense, Marc Davidson, na sala, e Stephanie Audet, na cozinha. O espaço abriu em 2019, uma loja em subcave mas com um grande janelão para a rua, onde se alinham garrafas de vinhos de mínima intervenção e origens diversas, da Ligúria, em Itália, a Rheinhessen, na Alemanha, passando por Óbidos.
Se nunca provou um orange wine, este é um bom sítio para o fazer.
A discussão fratricida sobre vinhos não deve contudo desviá-lo da comida, que aqui também é protagonista. E há novidades na matéria, visto que a carta mudou completamente.
Um dos novos pratos é o de cogumelos pleurotus. Na verdade, o nome é muito mais extenso. O prato está cheio de elementos e de detalhes, tudo intricado numa composição entrelaçada, alta joalharia culinária.
Num único palmo de comida, temos caramelizações, assados, reduções, pós, cremes.
Há de tudo e tudo é bom. A crocância doce das sementes caramelizadas, o tostado amargo do alho francês, o tremoço picado e salgado, a gema do ovo perfeita inundando o prato, tantas texturas, tantas emoções, tantos nutrientes, tanta coisa a acontecer da ponta da língua ao estômago, coisas boas, a cada garfada um hmmm — tudo perfeito, produtos de campeonato Michelin (para cima), uma surpresa a cada combinação.
A fórmula da Senhora Uva não está na moda na alta cozinha. A ortodoxia imposta pelos nórdicos europeus e sua arrogância cool tem prescrito poucos elementos no prato — a mesma ideia do mobiliário.
O mundo da alta gastronomia, devoto da lei de Noma (o multi-premiado restaurante de Copenhaga), há muito que segue a máxima e apregoa que assim é que tem de ser. Sempre.
Ora, Stephanie está cá para lhes mostrar que não tem. Canadá rules. Na Estrela.
Folgo em saber que ainda há por cá quem não tenha sido evangelizado pelo monge Petrini. Os novos acólitos viram a luz num hambúrguer acompanhado de cerveja artesanal servido al fresco. Realmente, coisa de génio!
Também por isso é um enorme prazer lê-lo.
PS- Sou admirador do Redzepi, fui ao Noma pré primeira vez no primeiro lugar nos 50 best e hei-de voltar, mas há limites!
Obrigado, Miguel. Ahahahah. Volte sempre, por favor.