Há uma coisa obrigatória no meu frigorífico: pimenta da Terra, a massa de chiles açoriana. Compra-se em todos os supermercados grandes. Nas Mercearia dos Açores pode-se até escolher a marca.
É preciso dizer que, durante muito tempo, o receituário das Ilhas foi mal visto, em parte por tudo saber a pimenta da Terra. A pimenta da Terra estava para a culinária, como o Anticiclone estava para a meteorologia. Uma coisa maléfica e omnipresente.
Compreendo os açorianos. Eu próprio ponho pimenta da Terra em tudo. Estou para descobrir o que quer que seja que não melhore com pimenta da Terra. Peixes assados, carnes grelhadas, saladas, queijos. Gosto inclusive de a comer à colher (não aconselhável a iniciados).
O sabor é picante, mas um picante acidulado, fruto da fermentação em sal das típicas malaguetas grandes e suaves cultivadas há séculos no Arquipélago.
Quando vou ao Pico, uma entrada obrigatória é o queijo local, de pasta amolecida, com pimenta da Terra. No Continente, prefiro barrá-la em queijos frescos e requeijões.
Na receita de hoje, usei-a para uma marinada de abanicos de porco preto. Os abanicos têm a forma do dito e são cortados de uma peça acima da paleta — ou seja, da pata dianteira do bicho. O porco preto tem muita gordura, os abanicos mais gordura têm. A pimenta da Terra, ligeiramente doce e cítrica, assenta-lhes por antítese.
A esta mistura acresce um Bulhão Pato de bivalves (pense em carne de porco à alentejana). Só lá está, na verdade, para que isto não pareça fácil de mais. Se fizer os abanicos só com a pimenta da Terra e, no fim, temperar com um fio de bom azeite virgem extra e uma pedrinhas de sal marinho já vai ser excelente.
Atenção aos bivalves, sobretudo ao berbigão, um dos meus preferidos. Mesmo que a senhora do mercado lhe diga que já vêm depurados e não têm terra, não acredite. Lave-os bem em casa, deixe-os umas horas em água, mude-lhes a água várias vezes.
Acompanhe com aquela loucura dos anos 1980, as batatas-fritas caseiras, para a decadência total.
O apocalipse vem aí. Que seja saboroso.
Ingredientes
4 colheres de sopa de azeite
4 abanicos
3 colheres de sopa de pimenta da Terra
4 dentes de alho picados
1 molho de coentros frescos
½ copo de vinho branco/ou sumo de 1 limão
50 gramas de manteiga
300 gramas de mexilhão/berbigão/amêijoas
Sal marinho
Picles a gosto
Preparação
1º Passo
Espalhe a massa de pimenta da Terra nos abanicos meia-hora de antecedência, pelo menos.
2º Passo
Aqueça a frigideira. Coloque uma colher de sopa de azeite, apenas. Retire o excesso de líquido dos abanicos apalpando-os com papel de cozinha. Quando a frigideira estiver bem quente, frite-os em lume alto (nível 7 na indução), até ficarem bem dourados. Não deixe secar: se forem peças finas, chegam 60 segundos de cada lado. Retire e reserve.
3º Passo
Com a frigideira ainda quente, deite mais duas colheres de azeite, metade dos alhos, metade dos coentros e os bivalves. Deixe frigir. Entorne o vinho branco (ou o sumo de limão) lá para dentro, sempre com o lume alto. Tape com a tampa de um tacho até os bivalves abrirem. Retire a tampa, deixe reduzir mais um minuto. Junte o resto dos alhos, dos coentros e, logo a seguir, derreta a manteiga e apague o lume.
4º Passo
Junte os abanicos na frigideira e envolva bem. Finalize com uma colher de azeite virgem extra cru e umas pedrinhas de sal marinho. Acrescente picles a gosto.
*Receita publicada, originalmente, no site da revista Sábado.
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