Esta maravilha cheia de ovo na fotografia não é o que parece. Quando olhei pela primeira vez, pensei: “Trocaram o pedido. Pedi uma ácida-picante. Isto é sopa de ninho de andorinhas. Sem ninho”.
Não era. Tratava-se mesmo da clássica sopa ácida-picante. Das melhores que provei. Uma obra-prima da cozinha chinesa. Uma obra-prima do restaurante Macau Dim Sum, mais conhecido pelos belíssimos dumplings (obrigatórios os rolos de farinha de arroz) mas que não faz nada mal ou assim-assim.
Devo ter provado umas 30 a 40 sopas ácidas-picantes diferentes ao longo da minha vida, calculando uma por cada restaurante chinês onde este estômago já se passeou. E tinha para mim que nenhuma batia a do Grande Palácio Hong Kong, em Lisboa, mesmo junto à Portugália da Avenida Almirante Reis.
Ora, esta sopa alcançou o topo.
A primeira coisa que me entusiasmou foi o caldo. A receita clássica é feita com caldo de galinha (na pior das hipóteses, muito comum, com caldos industriais), mas eu ia apostar que este era de pato e era caseiro, tal a profundidade.
Veio logo a seguir o vinagre e o picante, preenchendo a boca toda, frescura e fogo e uma sensação quente e húmida a subir às pálpebras.
Eis que chega o pronto-socorro. Precisava de ovo para apaziguar as papilas e o ovo apareceu. O ovo está para o picante como Xanax para o pânico. Distribuído em fiapos fofos, foi como se a língua se deitasse num colchão de penas com lençóis frescos de seda, uma luxúria leve e adormecente.
Agora era preciso mastigar. Texturas. Muitas. Os chineses são freaks das texturas. Para eles, a textura é tão ou mais importante do que o sabor. E a sopa ácida-picante — que se serve e em toda a China, com algumas variações regionais — é um exemplo maior dessa obsessão.
No meio do caldo descobri coisas:
moles (tofu cortado em cubinhos micro),
esponjosas (lâminas de shitake magnificamente desidratadas),
gelatinosas (cogumelos orelha de judeu)
duras (bambu a sério, em juliana fina, sem sabor a remédio),
elásticas (gamba),
crocantes (ceboleto, aros de malagueta, oié!)
carnudas (fiapos de pato).
E podia apanhá-las todas na mesma colherada. À medida que trincava — e deve-se trincar — apareciam mais pedaços e pedacinhos cortados a lupa e chizato.
No final, levantei a cabeça do prato e estava diferente. Não no sentido metafísico. Era como se tivesse levado uma sova.
Sentia agora um ardor no couro cabeludo, o coração a bater mais depressa, o cérebro processando o que foi isto, o espírito deprimido de domingo erguendo-se na tarde fria, o palreio de famílias felizes em fundo e eu a pensar que não há melhor prato de Inverno do que este e que, isto sim, é cozinha emocional.
Vão lá, mas não esperem que a sopa chegue à mesa num ápice. Quando chega, é mau sinal. Falamos de ourivesaria. De desidratações no ponto. Da temperatura no ponto (a escaldar e só a escaldar). Do ovo acrescentado no fim, no momento.
Falamos de alta gastronomia. Chinesa.
Respeito.
A do Dinastia Tang também é muito boa. Se lá fores depois diz se concordas comigo.
já lá a comi, com certeza, mas há muito tempo…
Viva,
Tentei pesquisar, aparecem 2/3 restaurantes com o mesmo nome. Qual a localização mais precisa? Grata!
Olá Sofia, é no de Oeiras