Preço 9,5€ | Restaurante Rastilho | Barcarena |
A língua portuguesa (e não só) está cheia de expressões idiomáticas para achincalhar pessoas tontas. Desde cabeça de alho chocho, a cabeça de galinha, passando por cabeça de abóbora e de melancia, há todo um mundo animal de metáforas para diminuir intelectualmente uma pessoa.
A mais desadequada dessas expressões é cabeça de atum. O atum tem frequentemente uma cabeça grande e é um peixe conhecido por diversos talentos, o maior dos quais é dar-nos da melhor carne que há.
Prova disso foi o petisco que esta semana comi no Rastilho, um mimoso restaurante familiar em Barcarena. Veio para a mesa em forma de pequenos bifinhos de cabeça de atum, limpos de ossos e espinhas, ligeiramente braseados só com sal, e derretiam-se na boca de tão gordos, pequenas lascas a lembrar o-toro, da barriga do bicho.
O corte era de um atum-rabilho (bluefin), a mais disputada das espécies, pescado nos Açores no dia anterior. A desmancha é feita num armazém de Carcavelos e depois as peças mais nobres são distribuídas por alguns restaurantes japoneses de Lisboa. Para o Zé, o simpático dono do Rastilho, vão as lascas da cabeça e do cachaço — sendo que eu não trocava estes “restos” por 90 por cento dos outros cortes.
O Zé garante que “quase todas as semanas” os tem na carta. Acompanha batata cozida e, nesta altura, feijão verde.
Sobre a arte de desmanchar o atum, é obrigatório ler o artigo do cultíssimo Luís Pontes, do blogue Outras Comidas. O Luís deu-me uma puxão de orelhas por, numa primeira versão, ter chamado lombinhos aos cortes conhecidos como murrilhos, faceira, mormos e contramormos. E deu muito bem.
Ao que sabe: imagine-se bochechas de porco iodadas a nadar nas águas do Atlântico. Há também um suave travo metálico, e deve ser de um metal nobre.
Excelente. Sempre me questionei porque é que a cabeça do atum era ignorada – mesmo considerando a excomunhão a que os japoneses a votam- o resto do mundo o que lhe fazia? Recentemente fui ao El Campero, em Barbate (Cádiz) onde dos atuns de almadraba nada se desperdiça. Provei coração, deliciei-me com o toro e pensei que era impossível algo melhor do que o mormo e a facera, mas eis que comi parpatana! Depois pesquisei e entre Zahara de los Atunes e Barbate explodiu o interesse por estes cortes que os “ronqueadores” comiam porque os burgueses não queriam. Pobres burgueses! Desculpe o abuso destas linhas, mas não posso terminar sem agradecer os seus esporádicos, mas sempre reconfortantes “posts” e dizer-lhe que a sua escrita está a fazer muita falta num dos meios que ainda leva(?) estes assuntos a sério e sem “foodismos”! Cumprimentos.
Muito obrigado, as suas palavras deixam-me muito feliz. Eu não tenho a certeza de não estarem incluídos no prato da cabeça, no Rastilho, bocados da zona da “parpatana”. Hei-de tirar isso a limpo. Se souber de outro sítio por cá onde a façam, diga, que eu vou a correr. Cumprimentos.