Pratos Receitas

Bifes acém à hora

Os melhores bifes vêm do acém e não da vazia ou do lombo. Saiba porquê e como os cozinhar.

Já ninguém fala de bifes. Os chefs não falam de bifes. Os blogues não falam de bifes. As revistas não falam de bifes. O bife tornou-se referência bafienta, comida de pato bravo, um homicídio de primeiro grau.

Alguns restaurantes trendy recuperaram-nos, é certo,  mas fazem de tudo para apagar o sabor da carne, embrulhando-os em molhos e acompanhamentos.

O corte é quase sempre do lombo ou da vazia, porque se entendeu a dada altura do século XXI que a única virtude de um bife era a facilidade com que o trincávamos. Podia saber mal – podia não saber -, podia custar 17 euros, mas se fosse tenrinho, se se desfizesse na boca, ui, então tínhamos carne de qualidade.

Tretas. Façam o seguinte. Vão ao Talho do Alcides, no Mercado de Alvalade, em Lisboa, e peçam ao sr. Alcides um bife do acém. Ele vai abrir um sorriso e contar uma história sobre o bife à cortador, do tempo em que era menino.

Frequentemente, a peça está em cima da banca e pode conferir a carne escura, os grossos veios de gordura branca. É isso que o vai agarrar ao acém. É isso que faz um bife.

cortes-de-carne-de-bovino

Chegado a casa, simplifique. Aqueça bem uma frigideira anti-aderente, não tenha medo que ela não rebenta nem empena. Estenda então delicadamente o bife, só umas pedrinhas de sal por cima.

Não toque no bife.

Oiça o bife.

Há um crepitar fino que vai ficando mais grosso. As bordas da carne começam a escurecer  e a estrebuchar na frigideira. A gordura derrete-se, espalha-se. Nessa altura vire a peça, que deverá estar caramelizada, com um queimado leve.

Volte a pôr umas pedrinhas de sal marinho, poucas, homogeneamente distribuídas. Por favor não se esqueça de contemplar aquela extremidade de gordura branca, há pouca coisa melhor do que gordura com sal.

E, agora, eis o momento chave. Ao virar a peça, o bife largou o sangue que acumulou no topo, um dos grandes dramas da cozinha de frigideira. Se nada for feito ele irá cozer no seu próprio líquido — e está tudo estragado.

Solução. Retire o bife, escorra o sangue da frigideira para uma tigela e passe a frigideira por água, retirando os resquícios que ficaram agarrados e secando-a com uma toalha.

Volte a colocar a frigideira sobre o lume e volte a frigir o bife. Deixe estar assim um quarto do tempo que o primeiro lado demorou a cozinhar, pode não chegar a um minuto, depende da grossura da carne. Eu prefiro cozinhar o acém até ficar médio passado, rosado no interior, para que a gordura asse bem e caramelize.

Reserve a carne mas não desligue o lume. Verta na frigideira o sangue que guardou e junte alhos picadinhos e uma haste de tomilho. Quando o líquido começar a ferver desligue imediatamente. Nessa altura deite um fio de azeite extra-virgem transmontano e emulsione tudo mexendo com a colher rapidamente. Depois é só verter o molho sobre os bifes.

A carne deve ter descansado entre cinco e dez 10 minutos depois de sair do lume, antes de lhe ferrar o dente.

Para rematar, acrescente mais um pouco de sal marinho (ou flor de sal, se não gostar de sentir as pedrinhas)  e moa pimenta preta.

Bifes simples, saborosos, feitos acém à hora.

9 comments on “Bifes acém à hora

  1. Miguel Pires

    Bom post, caro Ricardo. É bom ver o “Homem Que…” no activo.

    Estou de acordo com várias coisas deste post. Porém, entre alguns pontos que discordo aquele a que mais torço a orelha é a de deixar o bife descansar “5 a 10 minutos”. Ora com este frio e a menos que seja uma peça mesmo muito alta (o que não é comum num corte clássico de bife do acém) e que se tenha uma luz daquelas de fritar pintos, como nas cozinhas dos restaurantes, o mais certo é o bife ser comido morno para frio. Além do mais, o objectivo de deixar bife a descansar é para que o sangue se distribua homogeneamente pela peça. Ora no ponto “médio passado” não creio que reste assim tanto sangue para ser necessário esse repouso todo. Digo eu. Um abraço

    • Camarada Pires, uma honra a tua passagem nesta chafarica, a ver se ainda sei fazer isto. Sobre o bife e o descanso do bife, é verdade que estou a falar de um ambiente quentinho. A minha casa tem um aquecedorzito manhoso que funciona e uma cozinha virada a sul, fui ver agora e estão 19 graus, junto ao fogão aceso devem ser uns vintes e tais. Das minhas experiências, a carne vem morninha/quentinha para mesa, até porque o molho por cima reaquece-a. Mas sim, porventura estarei mais próximo dos cinco minutos do que dos dez de descanso. De resto, os bifes que tenho comido devem ter um centímetro de altura. Sobre o ponto da carne, o que sugiro é que não se deixe carne crua no interior, como eu próprio gosto noutros cortes, porque o acém tem muita gordura e nervo que bem derretidos e caramelizados contagiam o sabor e o aroma da carne – sobretudo se lhe deres o tal tempinho antes de a cortares. Com fluídos sanguíneos mas sem carne crua, acho que é isto.

  2. Duartecalf

    Olá,
    Também gostei de ver o regresso dos posts, já há muito tempo que não passava cá.
    Vi uma vez o Heston Bluementhal, no Masterchef Australia, referir que ao fazer bifes vira-os constantemente para que os fluídos nunca cheguem a “estacionar” (termo é meu) nem em cima nem em baixo… Faz sentido? Será uma alternativa ao retirar, passar por água, voltar a pôr, etc …?

    • Olá, Duarte,
      Obrigado pelas palavras, espero não te desiludir. Sobre a técnica do Heston eu já vi outras pessoas proporem-na e já tentei. Sucede o seguinte. Da minha experiência, mesmo com o calor no máximo, virando os bifes constantemente não consigo ter uma superfície tão caramelizada, típica da reacção de Maillard, e frequentemente também não consigo evitar que os fluídos se libertem…

  3. O conselho relativamente ao sangue que surge e pode levar à cozedura, aplica-se apenas aos pontos médios. Se o sangue começa aflorar, para mim já passou do ponto, uma vez que gosto dele entre o mal e o médio. Li que gosta de Cossery. Somos da mesma preguiçosa confraria 😀

    • Gosto muito de Cossery e gostava muito do seu tradutor português. Acho que os tenho a todos. Quanto à preguiça, sou um apreciador pouco praticante, infelizmente. Se gosta de Cossery só pode ser boa pessoa.

  4. Bem, segunda vez que faço um post no site. Bom sinal? 😊
    Os bifes do acém são de longe os melhores. Mais sabor e textura. O problema (felizmente…) para a maior parte das pessoas é que têm gordura (o que é um drama mas depois fritam-nos em óleo ou comem batatas fritas encharcadas no mesmo) e normalmente são “feios” porque o acém não é um bloco compacto como o lombo, vazia, rosbife, etc. Eu passei mais de 20 anos da minha vida em que só comia dos últimos, e posso assegurar que os do acém estão a léguas destes. Aliás para mim hoje é muito difícil comer um bife do lombo ou da vazia. Do pojadouro ou entrecôte às vezes ainda passa…
    Os bifes do acém podem e devem ser cortados altos, um polegar. Não ficam é normalmente bonitos. Mas em termos de qualidade é excelente. Só virar uma vez é o melhor método e devem ser feitos numa frigideira e não num grelhador para aproveitar os sucos e a gordura que derrete. Quanto ao descansar a carne não concordo, só se for muito pouco tempo pois seos bifes são altos o interior já não está muito quente e o descanso não vai ajudar. Já agora os bifes não largam sangue, mas sim água e mioglobina (que é vermelha), a quantidade de sangue presente nas peças de carne é irrisória.
    Agora comprar carne do acém de qualidade e bem cortada é nos dias de hoje muito difícil. Nas grandes superfícies é quase para esquecer, e a maior parte dos talhos tradicionais não têm já volume para ter peças destas de qualidade, e básicamente o que os “experts” consumidores querem é vazia e lombo (que ainda é pior que a vazia…).
    Já agora para hamburgers a melhor carne para mandar picar para os mesmos é o chambão, ficam óptimos. Aba também não é má opção desde que não tenha excesso de gordura. Mas já vi totós mandarem picar vazia e lombo para fazer hamburgers. Dever ser muito fino… 😂
    Já ia um bom bife do acém…

  5. Vim aqui para outra vez por acaso e lembrei-me de acrescentar algo. Seguindo o seu conselho, fui ao Talho do Alcides em Alvalade, e tenho voltado sempre que posso. Sítio simpático, e bons bifes do Acém. O Sr. Alcides é 5 estrelas, e sim fica feliz quando me vê porque já sabe o que quero, e que é o que ele também aprecia.

    O supermercado do El Corte Ingles da AAA, costuma ter peças do acém redondo e comprido da Carnalentejana e Quinta dos Açores. Atenção que refiro peças (em vácuo) e não pré-cortados. O preço é o mesmo, a qualidade é superior ao entrecote sul americano que eles vendem que custa quase o dobro. A Carnalentejana normalmente é mais escura e de sabor mais intenso, a dos Açores ligeiramente mais macia e de sabor mais suave. Eu prefiro a primeira, o resto da minha família a segunda. Têm alguns bons cortadores lá, nem todos, mas muito superiores ao que encontra em 99% dos outros locais.

    Já agora se for ao talho do ECI é o único sítio em Lisboa que vendem porco Ti António (têm site). As costeletas (do pé, claro) são fabulosas, e até as do cachaço embora estas já pequem por excesso de gordura. E a peça inteira no forno fica excelente com uns bons temperos. Também têm embalados de vaca Ti António, a carne é interessante mas para mim inferior às duas anteriores.
    Mas os animais não são todos iguais, é sempre uma questão de sorte também.

  6. Pedro Ferro

    Ricardo, também prefiro o bifezito do Acém um pouco mais alto do que o tal centímetro. Normalmente peço para cortar com uns 2cm. Faço parecido à descrição do post. No entanto, para além do sal e pimenta gosto de lhe acariciar um fio de azeite que ajuda a entranhar o dito tempero. Com a frigideira bem quente, com esta altura, costumam ser uns 4 minutos de um lado, retiro os sucos e cerca de 3 minutos do outro. Costumo cortar em fatias para levar numa tábua à mesa. Nesse caso o corte tem imperativamente de se fazer na perpendicular às fibras. Vivo no Alentejo, onde os talhos de uma maneira geral têm boas peças. Por vezes até no talho do Pingo Doce, onde, após olharmos olhos nos olhos, me perco por uma ou outra peça!

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

%d bloggers gostam disto: